Por que o Cúng Cô Hồn virou disputa por oferendas?

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Cúng Cô Hồn: Resgatando o Espírito Humanitário da Tradição Vietnamita

A cultura vietnamita é rica em tradições ancestrais que moldam a identidade de seu povo, e entre elas, uma das mais significativas é o festival de Cúng Cô Hồn, celebrado no sétimo mês lunar. Este é um período profundamente arraigado na crença de que os portões do submundo se abrem, permitindo que os espíritos errantes, conhecidos como “cô hồn” (fantasmas famintos), visitem o mundo dos vivos. Longe de ser um momento de medo, a essência original desta celebração é intrinsecamente humanitária e reverente. Trata-se de um ato de compaixão e lembrança, onde os vivos oferecem alimento e orações não apenas aos seus ancestrais, mas também àqueles que partiram sem ritos fúnebres adequados, sem família ou que morreram de forma trágica. O objetivo é duplo: confortar os espíritos e, ao fazê-lo, invocar paz e boa sorte para os que permanecem.

O Verdadeiro Significado por Trás das Oferendas

Na sua concepção mais pura, o Cúng Cô Hồn simboliza a generosidade e a solidariedade. As oferendas – que variam de alimentos a itens de uso diário – são feitas para aliviar o sofrimento desses espíritos famintos e esquecidos. Acreditava-se que, ao saciar sua fome e oferecer-lhes um momento de paz, esses espíritos não causariam perturbações, e em vez disso, poderiam abençoar a comunidade. É um lembrete vívido da interconexão entre vivos e mortos, e da responsabilidade moral de cuidar de todos, mesmo após a vida. É também um período para expressar gratidão aos antepassados e para refletir sobre a transitoriedade da existência, promovendo valores como a empatia e a compaixão.

A Deformação de uma Bela Tradição: O Fenômeno “Giật Cô Hồn”

Infelizmente, como muitas tradições que atravessam séculos, o Cúng Cô Hồn começou a sofrer distorções. O que era para ser um ato de reverência e caridade, em alguns locais, transformou-se em uma cena de caos e desordem, especialmente com a prática do “giật cô hồn” – a “disputa por fantasmas” ou a “corrida pelas oferendas”. Em vez de as oferendas serem distribuídas de forma digna e organizada, virou costume que elas fossem jogadas ao chão para que a multidão as disputasse em um frenesi. Essa prática degenerou em situações lamentáveis, onde pessoas se aglomeram, empurram e brigam por comida, dinheiro ou outros itens deixados para os espíritos. Mais grave ainda, há relatos de que criminosos se aproveitam do tumulto para cometer furtos e assaltos, transformando um ritual sagrado em um palco para a ilegalidade. Em algumas áreas, as autoridades, como a Polícia de Ho Chi Minh, precisaram intervir, chegando a prender grupos que se dedicavam a roubos durante essas “disputas”, e processar dezenas de indivíduos por perturbação da ordem. Essas cenas de “giật cô hồn” não só desvirtuam o sentido espiritual da cerimônia, mas também mancham a imagem de uma cultura rica e respeitosa, chocando tanto os mais velhos quanto as gerações mais jovens, que veem a dignidade da tradição ser perdida em meio à confusão.

Lições do Passado e Caminhos para a Renovação

A história nos mostra que a adaptação cultural é essencial para a sobrevivência e relevância das tradições. O exemplo do ritual de “cúng sao giải hạn” (adoração de estrelas para remover o azar) é um testemunho disso. Antigamente, essa cerimônia também era marcada por aglomerações e excessos. No entanto, muitos templos budistas agiram com ousadia, renovando o ritual. Eles passaram a enfatizar a oração pela paz e a prática da fé genuína, em um ambiente de solenidade e ordem, eliminando a correria e o desperdício. Esse modelo de renovação pode e deve ser aplicado ao Cúng Cô Hồn.

Propostas para um Cúng Cô Hồn Mais Digno e Significativo:

  • Organização Centralizada: Em vez de indivíduos espalharem oferendas de forma desorganizada, as autoridades locais, em parceria com comunidades religiosas (especialmente budistas), poderiam organizar grandes cerimônias “chẩn tế cô hồn” – rituais coletivos de oração e oferendas. Esses eventos seriam realizados em locais designados, com uma atmosfera de respeito e ordem.
  • Participação Consciente: Os cidadãos seriam convidados a participar dessas cerimônias de forma solene, meditando e orando em memória de seus ancestrais, dos heróis caídos e de todas as almas que partiram. Isso reforçaria o aspecto comunitário e espiritual do festival.
  • Adeus às Práticas Controvertidas: Seria desencorajado e eventualmente proibido o ato de queimar papel votivo em excesso, espalhar dinheiro na rua ou liberar animais de forma irrefletida (“phóng sinh” descontrolado), práticas que muitas vezes geram poluição ou desequilíbrio ecológico e que podem ser mal interpretadas como “bostas” – uma esmola feita de forma depreciativa.
  • Foco na Caridade Genuína: As energias e os recursos dedicados às oferendas poderiam ser canalizados para ações de caridade significativas. Em vez de disputar itens, as comunidades poderiam organizar a distribuição de alimentos e presentes práticos para os necessitados, os idosos, os doentes e as pessoas em situação de vulnerabilidade. Isso transformaria a compaixão simbólica em ajuda concreta.
  • Diálogo e Educação: É fundamental promover um diálogo aberto com a comunidade, especialmente com as novas gerações. Explicar por que o “giật cô hồn” é uma deturpação da tradição, e como a solenidade e a ordem elevam a dignidade do rito, tanto para os vivos quanto para os falecidos. Escolas e centros comunitários podem desempenhar um papel vital nesse processo educativo.

Os Benefícios de uma Tradição Resgatada

Quando o ritual é conduzido com propósito e dignidade, os benefícios se multiplicam. Os necessitados recebem ajuda de forma respeitosa, os participantes encontram paz de espírito ao honrar os mortos de uma maneira significativa e os falecidos são lembrados em um ambiente de reverência. Uma tradição verdadeiramente bela não se manifesta apenas em sua forma, mas na forma como nutre a moralidade e planta sementes de bondade nos corações das pessoas. Ao transformar a crença espiritual em atos de benevolência e união, o Cúng Cô Hồn pode voltar a ser um pilar de valores comunitários e educação humanitária, longe das cenas de caos e desrespeito. Isso exige um esforço conjunto de líderes religiosos, autoridades governamentais e, acima de tudo, da população, para que o Cúng Cô Hồn retorne ao seu verdadeiro significado: um ritual de partilha, compaixão e um modo de vida civilizado que honra o passado enquanto constrói um futuro mais solidário.

Como você acredita que outras tradições culturais podem ser adaptadas para os desafios da sociedade moderna sem perder sua essência e significado originais?

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