Por que gestão comunitária protege 86x mais a Amazônia?

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O Poder das Comunidades: A Chave para a Conservação Sustentável da Amazônia

A Amazônia, nosso bioma mais vital e complexo, enfrenta desafios crescentes. A degradação ambiental avança, a fiscalização é insuficiente e a competição por recursos naturais se intensifica. Em meio a este cenário, os modelos tradicionais de áreas protegidas muitas vezes sofrem com a falta de pessoal, recursos financeiros e equipamentos adequados, além de operarem em climas políticos desafiadores. Diante da urgência de proteger 30% do planeta para a natureza até 2030 – o ambicioso objetivo conhecido como ’30×30′, estabelecido no Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal – a expansão das áreas protegidas tradicionais tem desacelerado.

Mas e se a resposta para esses desafios estivesse nas mãos de quem mais entende e depende da floresta? Uma nova pesquisa publicada na renomada revista Nature Sustainability revela resultados “sem precedentes” da gestão comunitária de áreas protegidas na Amazônia, apontando para um futuro onde a colaboração local pode ser a força mais poderosa na luta pela conservação.

A Gestão Comunitária como Mecanismo de Proteção Eficaz

O estudo, intitulado “A gestão comunitária expande a pegada de proteção do ecossistema nas florestas amazônicas”, descreve um mecanismo poderoso e inovador. Ele sugere que podemos aumentar a extensão da proteção efetiva baseada em áreas, aproveitando a gestão comunitária de recursos naturais. Em vez de depender apenas de modelos impostos de cima para baixo, a pesquisa destaca o potencial das Outras Medidas Eficazes de Conservação Baseadas em Área (OECMs), que são definidas como áreas geridas de forma a alcançar resultados positivos e sustentados de conservação da biodiversidade.

Uma equipe de pesquisadores do Instituto Juruá (Brasil), Universidade de East Anglia (Reino Unido), Universidade Federal de Alagoas (Brasil) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Brasil) investigou os impressionantes resultados de conservação provenientes da gestão comunitária de pescarias ao longo de um trecho de 1.200 km do Rio Juruá, um importante afluente do Amazonas no estado do Amazonas, Brasil.

Resultados Sem Precedentes: Comunidades Multiplicando a Proteção

O que a pesquisa descobriu é verdadeiramente notável: ao combinar todas as zonas de proteção, sejam diretas ou incidentais, cada comunidade, na verdade, protege uma área total de várzea e floresta de terra firme que é quase 86 vezes maior do que a área total de lagos de meandro (igarapés) que sustentam as populações locais de pirarucu na estação seca. Somente para o estado do Amazonas, 15 milhões de hectares de floresta de várzea foram protegidos dessa maneira.

O Professor Carlos Peres, da Escola de Ciências Ambientais da UEA e um dos autores sênior do artigo, enfatiza o valor dessa abordagem:

  • “Este estudo demonstra claramente a efetividade de empoderar a ação de gestão local por partes interessadas que têm o maior interesse e uma presença 24 horas por dia, 7 dias por semana, o ano todo, onde as batalhas de conservação estão sendo ganhas ou perdidas.”
  • “Os dividendos de conservação da proteção baseada na comunidade são sem precedentes e implementados a uma pequena fração dos custos financeiros dos mecanismos de proteção tradicionais. Na prática, isso torna os gestores de terras locais verdadeiros ‘heróis anônimos’ na cacofonia do discurso teórico da conservação.”

Como Funciona na Prática?

Através de fiscalização coordenada localmente e vigilância ativa, as comunidades locais no oeste da Amazônia brasileira montam esforços conjuntos para proteger os lagos onde as pescarias comercialmente valiosas são geridas. Elas agem contra a exploração por parte de invasores e garantem que os recursos sejam usados de forma sustentável. Essas comunidades, então, se beneficiam de um ganho anual com a venda de peixes colhidos de forma sustentável, provenientes da colheita local de populações protegidas de recursos-chave como o pirarucu.

Mas os benefícios não param por aí. Essa gestão local também impulsiona as populações de várias outras espécies não-alvo que foram historicamente superexploradas, como lontras gigantes, peixes-boi e tartarugas-da-amazônia.

O Custo da Proteção e a Necessidade de Apoio

A Dra. Ana Carla Rodrigues, da Universidade Federal de Alagoas e líder do estudo, ressalta a magnitude do trabalho:

  • “Mostramos como a gestão comunitária amazônica pode proteger vastas áreas em um dos biomas mais complexos e vitais do planeta. Os sistemas liderados pela comunidade salvaguardam a biodiversidade em uma escala impressionante, apesar de arcarem com um pesado ônus social e econômico.”
  • “Reconhecer o papel vital que as pessoas locais desempenham na proteção da floresta amazônica e apoiar as comunidades locais são essenciais para a conservação a longo prazo e uma questão crucial de justiça social.”

A equipe analisou dados sobre os custos e benefícios dos esforços de proteção coletiva por comunidades locais em 96 lagos protegidos ao longo do Rio Juruá. Esses lagos, com tamanho médio de 47,4 hectares, estavam sob a jurisdição direta de 14 comunidades rurais e abrigavam uma contagem de aproximadamente 109.000 pirarucus adultos. Eles também examinaram a extensão e o custo da proteção para além dos lagos, incluindo as florestas inundadas adjacentes e as áreas de floresta de terra firme, essenciais para os ciclos de vida das espécies e que expandem drasticamente a pegada de conservação.

Atualmente, os custos de proteção dessas áreas são arcados inteiramente pelos membros da comunidade, cobrindo despesas como combustível e alimentação para os guardiões voluntários – sem qualquer compensação por seu trabalho. No entanto, implementar esquemas de compensação justos, como os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), ainda seria significativamente mais econômico do que as estratégias convencionais de fiscalização de áreas protegidas.

Dr. João Vitor Campos-Silva, codiretor do Instituto Juruá e coautor do estudo, enfatiza o ganho duplo:

  • “Atualmente, seis milhões de pessoas na Amazônia brasileira dependem diretamente da natureza selvagem. Ao incluir explicitamente os moradores locais nas práticas de conservação, podemos tanto aumentar a eficácia dos resultados da conservação quanto melhorar o bem-estar local.”

A equipe de pesquisa espera que essas evidências ajudem a convencer governos e organizações de que apoiar a conservação local não apenas representa um excelente valor financeiro, mas é também crítico para o sucesso dos programas ecológicos e de conservação.

Apoiar o que funciona

A gestão comunitária não é apenas uma estratégia de conservação; é um modelo de sucesso que integra a subsistência humana com a proteção ambiental de forma harmoniosa e eficaz. É um testemunho do poder das pessoas que vivem em estreita relação com a natureza e que estão dispostas a defendê-la com seus próprios esforços e recursos. Reconhecer e investir nesse modelo é um passo fundamental para garantir a proteção da Amazônia para as futuras gerações.

Diante desses resultados impressionantes, qual sua opinião sobre o papel que as comunidades locais podem desempenhar na conservação de biomas como a Amazônia e como poderíamos fortalecer ainda mais esses projetos?

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